Coaching Executivo, Psicanálise e O Líder. Uma questão Ética?

By: Instituto Verbe

Há semelhanças entre o processo de coaching executivo e a análise clínica. Há diferenças importantes, todavia. A questão é a avaliação entre benefícios da disseminação dos processos de coaching para executivos e o risco de processos de análise serem conduzidos por coaches não qualificados para essa prática. 

Coaching Executivo

Se o processo de coaching executivo se concentrar na identificação de oportunidades para desenvolver competências que impulsionem a entrega de resultados, especificamente nas áreas de competências organizacionais, liderança e técnicas, pode ser considerado aceitável, desde que permaneça na esfera do indivíduo como executivo. Nesse contexto, o foco seria direcionado para o desenvolvimento de competências organizacionais e de liderança altamente específicas, visando não apenas alcançar resultados organizacionais, mas também promover o avanço na carreira profissional do executivo.

A complexidade emerge quando o processo de coaching, inevitavelmente, se desloca para questões de análise, particularmente as de natureza psicanalítica. Isso se torna problemático, uma vez que os profissionais de coaching, os Coaches, geralmente não possuem a qualificação em conhecimento psicanalítico. Esta lacuna de qualificação pode se tornar um obstáculo significativo, comprometendo não apenas a capacidade do Coach de impulsionar melhorias de performance propriamente dita, mas, mais crucialmente, permitindo a introdução de questões psicanalíticas desorganizadas.

Além da possível falta de qualificação do Coach em lidar com temas psicanalíticos, a ausência de análise didática, supervisão de casos, formação teórica e clínica, juntamente com a dinâmica da relação de transferência e o ambiente terapêutico (setting), cria diferenças substanciais entre os processos de coaching e análise. Essas divergências merecem consideração, pois, de fato, um Coach pode inadvertidamente adentrar uma esfera extremamente complexa, criando situações perigosas que podem resultar em sequelas tanto para o executivo quanto para todos os envolvidos em seu círculo profissional e pessoal.

Psicanálise

Na psicanálise, aquele que fala não é o centro do sujeito. O método da escuta clínica é a base para a prática de explorar o inconsciente. O analista não busca explicar, mas sim ouvir, apreciar e formular perguntas pertinentes. A “crença no feiticeiro” é construída dialeticamente, dando lugar à relação transferencial que possibilita o tratamento e permite a irrupção do inconsciente. Isso pode ocorrer disfarçado em atos falhos, chistes, lembranças encobridoras ou sonhos, rompendo de alguma forma a barreira do recalque, ou até mesmo contornando essa barreira e se manifestando como um sintoma.

A busca pelo sujeito do objeto perdido, os elementos latentes do inconsciente, o retorno do recalcado, a elaboração de obstáculos e resistências, a sensação de castração ou incompletude, juntamente com a angústia que isso acarreta, envolvem a exposição de fantasias/fantasmas e a necessidade de ser escutado. Em um setting analítico, existe a contenção necessária para o crescimento, onde o limite se torna estruturante.

Neste espaço terapêutico, destaca-se a importância da associação livre, permitindo expressar o que vem à mente, juntamente com a escuta flutuante de experiências relatadas, sejam elas reais ou construídas a partir de lembranças narradas por outros. Abordam-se sensações proibidas, desejos eróticos proibidos ou hostis, que são conflituosos e empurrados pelo consciente para o inconsciente, onde são condensados ou deslocados, formando um caldeirão psíquico. Os pulsos, pulsam. Constantemente. O contrato analítico, a análise e suas livres associações, juntamente com a atenção flutuante do analista, contribuem para decifrar sintomas e sofrimentos psíquicos. Valoriza-se a elaboração onírica, transformando a matéria-prima dos sonhos em elementos linguísticos capazes de atravessar a censura.

Portanto, se o processo de coaching tem relação com competências que hoje precisam ser desenvolvidas para entregas futuras, a análise clínica busca no passado questões que se descobertas e se resolvidas favorecem o sujeito, e este pode vir a desfrutar de um novo e melhor estágio de desenvolvimento total, colateralmente contribuindo inclusive para seu desempenho corporativo.

Dessa forma, enquanto o processo de coaching está associado ao desenvolvimento das competências necessárias para entregas futuras, a análise clínica direciona-se ao passado, abordando questões que, quando descobertas e resolvidas, proporcionam benefícios ao indivíduo. Isso pode resultar em um novo e melhor estágio de desenvolvimento total, influenciando positivamente, inclusive, o desempenho corporativo.

Líder

O líder deve ter uma visão sistêmica e psicodinâmica para compreender o contexto do negócio, revelar o propósito e buscar resultados excepcionais. Isso envolve considerar não apenas a interdependência entre as partes do negócio, mas também as forças visíveis, invisíveis, sociais, políticas, subjetivas e psíquicas que interferem no comportamento de cada pessoa e afetam as interações dela com o grupo.

No centro desse processo está a construção de relações de confiança, que ocorre por meio da escuta ativa e do estímulo à contribuição de todos. Ao invés de buscar um consenso, o líder promove um “piramidar” de ideias, resultando em soluções inovadoras. Esse processo evolui de uma ética do cuidado para uma ética da responsabilização.

O líder com capacidade emocional, com visão sistêmica, torna-se flexível, adaptando-se a diversos contextos e ambientes sem perder a autenticidade. Ele estabelece um ambiente de confiança, promovendo relações abertas, francas e facilitando a adaptação dos demais ao seu redor.

O coaching apoia o desenvolvimento do líder, capacitando-o a adquirir competências essenciais para alcançar resultados superiores. Contudo, muitas habilidades de liderança, ligadas ao autoconhecimento e à empatia, demandam uma investigação psicanalítica para destravar e potencializar positivamente a capacidade de gestão, entre outras áreas.

Daniel Kahneman (1) mostrou que nosso processo cognitivo está sujeito a falhas sistêmicas. Ele afirma que temos um estoque limitado de atenção, impossibilitando a tomada de decisões simultâneas em várias tarefas. Kahneman descreve dois sistemas operacionais distintos: o Sistema 1, rápido e automático, atua em atividades que demandam pouco esforço; enquanto o Sistema 2, mais lento, gerencia ações fora da rotina e complexas, exigindo atenção. Em situações familiares, ambos operam em conjunto, com o Sistema 1 sempre ativo e o Sistema 2 aguardando chamado. No entanto, o Sistema 1, não sendo lógico, nem sempre aciona o Sistema 2 para supervisionar decisões, resultando em comportamentos e escolhas inadvertidos, um fenômeno denominado por Kahneman como viés cognitivo.

Conclusão

Um processo de coaching pode contribuir para o desenvolvimento de competências, permitindo que um líder se aprimore e alcance melhores resultados. No entanto, é insuficiente para promover uma transformação profunda, aquela que possibilita um salto clínico qualitativo para que o líder assuma novos papéis e explore um espaço significativo de crescimento humano.

Ignorar questões psicanalíticas durante um processo de coaching, ou até mesmo aventurar-se nesse terreno sem cautela, é arriscado e pode resultar em danos ao desenvolvimento psíquico do executivo ou líder.

Trata-se de um problema ético.

SERGIO PIZA

  1. Kahneman, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro, Objetiva, 2012.